MÚSICA E SILÊNCIO
Miguel Angelo | Papo com o Músico
Foi no final dos anos 90. Eu tinha ido com os meus pais e as minhas duas irmãs em um retiro na Canção Nova, em Cachoeira Paulista. Não me recordo muito bem nem do tema nem do pregador do encontro. Tive naquele lugar, entretanto, uma experiência simples que jamais esqueci.
Havia levado comigo, naqueles dias, uma edição do livro chamado “O silêncio de Maria”, do Frei Inácio Larrañaga. Durante o evento, entre um intervalo e outro, percebi que, na assembleia entre as pessoas, estava Walmir Alencar, ministro católico de música e que, à época, encontrava-se em discernimento de sua carreira solo, recém-saído da Banda Vida Reluz.
Ele estava ali, conversando e atendendo gentilmente as pessoas que dele se aproximaram, trocando ideias e vivências surgidas no momento. Resolvi, então, chegar mais perto daquele grupo animado e, como eu estava com o livro do Frei em minhas mãos, no instante em que fui saudar o Walmir, mostrei-lhe o livro e pedi-lhe uma dedicatória por escrito na contracapa como lembrança daquele dia.
Qual não foi minha surpresa quando notei que, ao ter se deparado com o nome “O Silêncio de Maria”, imediatamente também ele ficou em silêncio. Foram quase uns três minutos assim, até que ele me disse algo mais ou menos parecido:
“O nome deste livro me fez lembrar que até em uma partitura musical pode haver silêncio. Quando isto ocorre, indica-se uma pausa por tempo específico. O silêncio tem um papel importante na música. Na vida também.”
Saí dali com isto marcado em meu coração. Nunca mais me esqueci. Há importância no silêncio. Não apenas para a música. Mas sobretudo para nós, músicos. E, sendo assim, constantemente, na partitura da Vida, devemos perceber sinais em nosso caminhar de que o silêncio pede passagem.
Haverá pausas indicando, por exemplo, momentos dramáticos. Outras, sinalizando descansos necessários. Algumas vezes, pausas irão significar mudanças de ritmo.
Intencionais, todas elas poderão surgir. Fazem, pois, parte, não apenas das partituras musicais mas, sobretudo, das partituras existenciais. Onde o Pai, Eterno Maestro, com excelência a tudo orquestra, erguendo até nós suas “divinas mãos”, chamadas de Filho e de Espírito Santo.
Esta Santa Trindade saberá até mesmo muito bem retirar, das pausas não intencionais - como uma falha, por exemplo -, um bem infinitamente maior, apenas talvez não tão perceptível naquele momento. Normal. No conjunto da obra, acredite, fará todo sentido. Confie no Maestro Divino!
Dramas. Repousos. Transformações. Escolhidos ou não, buscados ou não, intencionais ou não, quem nunca os vivenciou? Na vida ou na partitura, sempre estão e estarão presentes. Como os integramos enquanto parte de um todo é o que fará a real diferença. Na partitura. E na vida.
Julho é sinal de que um semestre inteiro já ficou para trás. E outro, novinho em folha, já nos espera logo ali. O tempo não para. Apenas, talvez, através do silêncio, de algum modo. Como numa partitura escrita a quatro mãos. Eu e Deus. No fim das contas, é sempre entre mim e Ele.
Quantos de nós, músicos, já não passamos por dores, desafios, tribulações? Mas também alegrias, esperanças, superações?
Que o Senhor nos ensine pois, por Amor e como Igreja, a viver tudo isso com Fé, Esperança e Amor, na certeza de que nada escapa aos Seus Olhos e Ouvidos. Afinal, se todo bom maestro tem, por ofício, uma boa observação e uma boa escuta, muito mais, então, o nosso Divino Maestro Eterno!
Nele, saibamos expressar em louvor e adoração, com instrumentos e sons ungidos, uma música agradável para a Glória do Seu Santo Nome, antecipando aqui e agora, com nossas vidas rendidas em serviço ao Seu Reino, tal qual notas musicais de uma partitura celeste, a execução do cântico de vitória que ecoe por toda eternidade, pelos séculos dos séculos dos séculos. Amém.
Miguel Angelo
Cantor católico, membro da MCRJ (Música Católica Rio de Janeiro). Participante da Pastoral da Música, na matriz de São Sebastião do Cocotá, na Ilha do Governador - RJ. Teólogo, Filósofo e Mestrando em Educação pela PUC-Rio.
MIGUEL ANGELO CASTELO GOMES